A solução dos problemas sociais tem sido direcionada: “É mais neoliberalismo”. Entrevista especial com Lucas Crivelenti e Castro

“Devido ao contexto imperialista que surge na passagem do século XIX para o XX, a possibilidade dada a países periféricos e subdesenvolvidos é muito limitada, mesmo dentro de um arcabouço de desenvolvimento”, afirma o pesquisador

Foto: Tânia Rêgo | Agência Brasil

Por: Patricia Fachin | 23 Outubro 2023

A exacerbação das desigualdades sociais no Brasil, manifesta na disparidade de renda, no desemprego e na fome, são consequência da subordinação brasileira ao imperialismo no contexto do capitalismo financeirizado em curso há quatro décadas no país. “O Brasil perdeu, como os cepalinos gostam de dizer, a capacidade de decisão dos centros internos decisórios. Isto é, a capacidade de manipular a política monetária, fiscal, cambial, com destino ao desenvolvimento. Isso se perdeu. A exacerbação do desemprego, de alguma forma, reflete essa incapacidade”, constata Lucas Crivelenti e Castro, autor de Novíssima dependência: a subordinação brasileira ao imperialismo no contexto do capitalismo financeirizado (Dialética, 2021), finalista do 64º Prêmio Jabuti na categoria Ciências Sociais, em 2022.

Na atual conjuntura internacional, menciona, é “pouco provável romper com a dinâmica do capitalismo financeirizado”. A opção para a solução dos problemas sociais em todos os governos, observa, “é mais neoliberalismo e isso acaba gerando uma insatisfação na população de maneira geral, que redunda em discursos perigosos”.

Apesar da crítica progressista à financeirização e ao neoliberalismo, “as reformas da equipe econômica do governo Lula e a Reforma Tributária estão inseridas no contexto neoliberal. As capacidades colocadas no debate são muito limitantes e seria preciso verificar quais são, de fato, os interesses sociais que estão postos para a sociedade”, diz na entrevista a seguir concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.


Lucas Crivelenti e Castro (Foto: Arquivo Pessoal)

Lucas Crivelenti e Castro é graduado em História pela Universidade de São Paulo (USP), em Comunicação Social/Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Atualmente cursa o doutorado em Economia na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Confira a entrevista.

IHU – Quais são os fatores que contribuíram para que o capitalismo brasileiro se tornasse dependente? Por que este continua sendo um problema atual no país?

Lucas Crivelenti e Castro – O capitalismo brasileiro tem uma perspectiva histórica de ser dependente, como dizia o historiador marxista Caio Prado Júnior, que reflete sobre a formação do Brasil contemporâneo a partir da estrutura formada em torno da colonização portuguesa no país. Nesse sentido, desde o Brasil Colônia o país tem um viés formativo de uma economia voltada à valorização do capital, que era acumulado no centro do capitalismo dos países hegemônicos. Naquele período, Portugal mantinha relações com a Inglaterra, que assumia o papel hegemônico no mundo, e boa parte do capital extraído no Brasil foi acumulado na Inglaterra.

Florestan Fernandes compreende o processo do capitalismo dependente como um processo de dupla articulação que tem fases diferentes na história. Esse processo de dupla articulação nada mais é do que uma desigualdade econômica no plano interno da economia brasileira e uma subordinação ao imperialismo. A dupla articulação é renovada e retroalimentada nas diferentes fases da história brasileira, desde o Brasil Colônia, no processo de Independência, quando o Brasil passa por um processo neocolonial de subordinação à Inglaterra, e, posteriormente, no século XX, ela é novamente renovada no processo de industrialização e no capitalismo monopolista a partir do governo Juscelino Kubitschek e da ditadura, quando ocorre a transferência de multinacionais para o país. Ao longo de todo esse período histórico existe um processo de capitalismo dependente e subordinação aos países centrais. Essa é a origem da teoria da dependência brasileira, na minha análise.

Existem outras vertentes teóricas que explicam a dependência, como a teoria marxista da dependência, nas interpretações de Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos. Além dessa perspectiva marxista, existe o viés cepalino desenvolvido por Celso Furtado, que seria uma continuação da teoria elaborada por Raúl Prebisch, economista argentino que diferenciava o capitalismo central e o periférico. Também existe a vertente mais complicada, elaborada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, segundo a qual, resumidamente, o país não teria alternativas e teria que se aliar ao capitalismo central no processo de subordinação. Na teoria deles sobre a dependência, o eixo central é a aliança ao capitalismo via transferência de multinacionais porque o processo de desenvolvimento não se daria no capitalismo periférico.

 (Foto: Divulgação | Dialética)

A minha perspectiva de análise mescla alguns aspectos da teoria cepalina, outros da abordagem do Theotônio dos Santos, mas centraliza-se, sobretudo, na teoria elaborada por Florestan Fernandes, que tem como origem primordial Caio Prado Júnior.

IHU – A novíssima dependência brasileira, segundo sua análise, é a financeirização. Por que a inserção do Brasil na financeirização foi e é subalterna e quais são os fatores internos e externos que levaram à dependência em vigor hoje?

Lucas Crivelenti e Castro – Extraio a expressão “novíssima dependência” da obra de dois autores, José Luís Fiori e Décio Saes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que analisam, a partir desse termo, a situação brasileira no contexto de inserção da globalização. Para analisar os fatores internos e externos dessa dependência, foi preciso analisar o quanto a classe dirigente local modificou o marco civil regulatório do país para a execução da política econômica, ou seja, como isso foi realizado ao longo das décadas de 1990, 2000 e 2010. Esse processo começa com o impulsionamento da industrialização periférica no contexto da ditadura, feito através de poupança externa, que nada mais é do que a utilização de capital via capital estrangeiro direto ou empréstimo de dívida, e que redundou na crise da dívida externa na década de 1980.

Nesse contexto, a classe dirigente local permitiu, por meio de modificações nas leis e regulações internas, a vinculação interna aos empréstimos estrangeiros. Esse contexto muda na década de 1990. Antes, tinha-se a perspectiva de a dívida externa ser de contratação de empréstimo. Na década de 1990, após a renegociação da dívida externa o Brasil emitiu títulos e a dívida externa foi securitizada e transformada em títulos públicos e, a partir do Plano Real, que é contemporâneo a esse processo da dívida externa – ambos de 1994 –, o Brasil insere-se, mais efetivamente, no processo de subordinação do capitalismo via emissão de títulos públicos.

O Plano Real nada mais foi do que o atrelamento da nova moeda ao dólar por meio de um mecanismo denominado ancoragem cambial, que é a emissão de títulos públicos com taxas de juros elevadíssimas para atrair o capital externo, dólar principalmente, e a liberalização do setor externo da economia brasileira, tanto a conta da balança comercial quanto a conta de capital para assegurar a dupla mobilidade de capitais, isto é, tanto de entrada quanto de saída. Esse processo foi feito pela classe dirigente local em diferentes governos. Começou no governo Collor; Fernando Henrique deu um grande passo nessa direção; e o primeiro governo Lula ratificou a liberalização da saída de capitais, isto é, foi ele que concluiu esse processo. É este o sentido das questões internas que explicam a novíssima dependência.

Fatores externos

No plano externo, pode-se dizer que a novíssima dependência fazia parte da predominância do discurso neoliberal monetarista de âmbito hegemônico, sobretudo desde a crise dos 30 anos gloriosos e do fim do regime fordista nos anos 1970, que atingiu os países subdesenvolvidos de maneira mais consolidada nos anos 1990. Isso se prolonga e se eleva com bastante intensidade ao longo dos anos 1990, 2000 e 2010. Mesmo com a crise do subprime que se espalhou pelo mundo em 2008, o processo de relações liberalizadas e de movimentação de capitais se intensificou. Ou seja, no plano externo a hegemonia do princípio liberal monetarista surge como a doutrina soberana no pensamento econômico dos anos 1970 e 1980 e se dissemina sobretudo no centro do capitalismo, nos países desenvolvidos, e, dos anos 1990 e 2000 em diante, esse regime de política econômica monetária é disseminado para os países periféricos e eles se inserem nesse contexto.

IHU – Além de apresentar a novíssima dependência como orquestrada pela classe dirigente nacional, você aponta para a situação do país, evidenciando que “uma parcela da sociedade permanece à margem com o crescimento exponencial da taxa de desemprego e do trabalho informal em decorrência da crise econômica que se prolonga desde 2015”. A partir desse diagnóstico, a novíssima dependência pode ser compreendida como um projeto de país ao qual o Estado brasileiro aderiu?

Lucas Crivelenti e Castro – Muito boa essa questão. Este é um longo debate na teoria econômica brasileira. A vertente cepalina defende que essa questão é uma escolha, sim, porque teria a possibilidade de desenvolvimento. A análise cepalina é interessante, mas, no contexto atual, ela é um tanto anacrônica pelas possibilidades de jogo na economia mundial.

O Brasil é um país independente, muito grande e tem autonomia de recursos naturais. Essa vantagem brasileira não é aproveitada porque a finalidade e o objetivo da financeirização foram colocados no centro. Para responder mais claramente à sua pergunta, eu diria que tivemos poucas possibilidades no contexto da economia mundial tal como ela ocorreu sobretudo na passagem do século XIX para o XX em diante, quando se forma o modelo imperialista de domínio. Mesmo as nações retardatárias de capitalismo atrasado estão inseridas no contexto do capitalismo monopolista. Falo sobretudo dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão, que são países de capitalismo tardio em relação à Inglaterra e à França. Esses países já aderiram ao sistema hegemônico, enquanto o Brasil ainda está num sistema de subordinação.

O processo desenvolvimentista acontece no Brasil e na América Latina a partir de 1930, em decorrência da crise de 29, que abriu uma janela de oportunidade de investimentos. Naquele período, tinha-se a visão de que o Estado precisaria promover o desenvolvimento. Mas, no contexto de subordinação ao imperialismo, o desenvolvimento será limitado e não será completo. Não há a possibilidade de chegar ao nível de um país rico e desenvolvido como as nações hegemônicas. Por meio dessa limitação histórica, há uma escolha, sim, da classe dirigente local, nos seus diversos segmentos, de promover o que seria possível.

Posteriormente aos anos 80, quando ocorre a crise do desenvolvimentismo e da industrialização brasileira, a opção pelo capitalismo desenvolvimentista foi encerrada de alguma forma. Esse projeto sai de cena porque tinha redundado no desenvolvimento das forças produtivas, mas com uma sociedade amplamente desigual, haja vista o que foi o milagre econômico no Brasil entre 1968 e 1973. O Brasil cresceu em média 10% ao ano nesse intervalo, mas a concentração de renda e as desigualdades cresceram também exponencialmente. Os anos 1980 foram conhecidos como a década perdida, mas o Brasil enfrentou a crise da dívida externa e deu início ao processo de estímulo à exportação para acumular divisas externas via saldos positivos na balança comercial para pagar os credores da dívida. Em seguida houve o processo hiperinflacionário, que foi uma década de transição e, quando chegamos aos anos 1990 e 2000, já não existe mais um plano de desenvolvimento. O Plano Real foi basicamente uma escolha de abertura comercial e financeira. Além de controle da inflação, era um projeto de vinculação à globalização e ao neoliberalismo. Encerra-se, portanto, qualquer projeto desenvolvimentista.

A consequência foi a exacerbação da precarização do trabalho, da informalidade, dos níveis de desemprego sobrelevado – chegou a 14%. Isso se vincula, de fato, à escolha feita de encerrar o viés desenvolvimentista e se inserir na plataforma de valorização financeira internacional, como a professora Leda Paulani classifica essa inserção subordinada. O Brasil perdeu, como os cepalinos gostam de dizer, a capacidade de decisão dos centros internos decisórios. Isto é, a capacidade de manipular a política monetária, fiscal, cambial, com destino ao desenvolvimento. Isso se perdeu. A exacerbação do desemprego, de alguma forma, reflete esta incapacidade. Por outro lado, repito: devido ao contexto imperialista que surge na passagem do século XIX para o XX, a possibilidade dada a países periféricos e subdesenvolvidos é muito limitada, mesmo dentro de um arcabouço de desenvolvimento.

De alguma forma, o Brasil está inserido na dualidade de ter desenvolvimento econômico, mas com uma elevadíssima taxa de desemprego, informalidade e desigualdade social, que ficou conhecida, mesmo na teoria cepalina, como heterogeneidade estrutural que faz a diferenciação entre centro e periferia no plano internacional. No plano interno, há desigualdade de renda e desigualdades regionais entre setores modernos da economia, que são avançados, e setores atrasados.

O professor Francisco de Oliveira trata disso na Crítica à razão dualista: o ornitorrinco (Boitempo, 2003). Tanto o atraso quanto a informalidade e o desemprego fazem parte do avanço do moderno. Era justamente isso que Florestan Fernandes estava querendo evitar em A revolução burguesa do Brasil (Contracorrente, 6. ed., 2020), isto é, a subordinação ao imperialismo e, no plano interno, a proliferação do arcaico e do moderno que se retroalimentam e geram desigualdades extremas.

Respondendo à pergunta, diria que foi uma escolha porque esse desenvolvimento não tem como agregar toda a sociedade brasileira inserida dentro do capitalismo imperialista. Por outro lado, países subdesenvolvidos e periféricos não têm como sair dessa armadilha. Estamos inseridos no sistema e essa inserção faz parte do processo de produção de valor que vai ser acumulado no centro. É uma escolha, mas é uma impossibilidade ao mesmo tempo. Essa contradição dual faz parte da classe dirigente que, neste contexto, privilegia o setor moderno.

IHU – Uma das justificativas para a configuração do novo marco fiscal do governo Lula foi a necessidade de fazer uma reverência ao mercado. Qual é o poder do mercado nas economias nacionais? É possível romper com a dependência da financeirização no atual cenário? De quais mecanismos o país dispõe para fazer isso?

Lucas Crivelenti e Castro – Respondendo diretamente, é muito pouco provável romper com a dinâmica do capitalismo financeirizado no contexto de inserção subordinada e inserido no contexto de capitalismo imperialista, global, com mobilidade de capitais. É muito difícil, para não dizer impossível, romper com essa situação. Para isso, seria necessário, no mínimo, uma reformulação do capitalismo em âmbito global. Dentro das atuais estruturas e da conjuntura contemporânea, a atuação do Estado nacional nessa dinâmica é bastante limitante. Aliás, o Estado, de alguma forma, através da classe dirigente, escolheu se inserir nesse sistema. Esse foi um processo feito por meio de mudanças no marco civil regulatório do país. É preciso evidenciar que houve essa escolha. A partir do momento em que foram feitas essas escolhas, pouca margem de manobra sobrou.

Poder do mercado

O poder do mercado é total. Com a livre mobilidade de capitais, operadores e grandes investidores institucionais, como fundos de investimentos, bancos, grandes conglomerados financeiros de investimento, possuem um poder sobremaneira e exponencial sobre as economias nacionais, com movimentos especulativos e poder de quebrar países. Isso ocorreu no fim dos anos 1990, onde, em decorrência de crises financeiras, países quebraram. O Brasil teve fuga de capitais e precisou pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A modificação no capitalismo dos anos 1970 em diante vai ganhando poder progressivamente e, hoje, este poder é total.

O único sistema que possui legitimidade de enfrentar o mercado são os EUA porque o dólar é a moeda hegemônica de âmbito global que exerce as três funções da moeda: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor em âmbito global. A política monetária feita pelo FED, Banco Central americano, tem autonomia de imprimir moeda, como vem fazendo de alguma forma desde 2008, de elevar a taxa de juros sem que isso afete a economia local dos EUA e expandir os gastos públicos.

O mercado financeiro, de alguma forma, atua juntamente com o governo dos EUA, que tem consciência de que o dólar exerce esse poder. Os EUA atuam junto com o mercado financeiro que, independentemente de ter ramificações em diferentes países, está concentrado em Wall Street. É Wall Street que determina o mundo, de alguma forma. Os EUA vinculam-se ao mercado financeiro, que, juntamente com o governo, exerce o papel dominante sobre o restante do mundo, inclusive com agências de classificação de risco que atuam dentro desse sistema, avaliando o risco dos países sobre possíveis calotes. Isso gera chantagens sobre as políticas econômicas que as demais nações devem executar.

A saída, mais uma vez, é reformular o capitalismo em âmbito global. Se não ocorrer, as alternativas em jogo serão muito difíceis. Isso tem gerado consequências sociais, como desigualdades extremas. Precisamos rever este modelo se quisermos sobreviver enquanto sociedade. Mas isso está fora da agenda por enquanto e não se verifica nos debates. O que se lança como debate é uma intensificação do jogo neoliberal, o que acaba concentrando e exacerbando ainda mais as contradições. Essa é a realidade atual.

IHU – Que tipo de país está se configurando a partir da novíssima dependência e que tipo de sociedade está sendo engendrada ao longo dos últimos 40 anos? A dependência financeira contaminou mentalmente o modo da sociedade operar e se relacionar, no sentido de que o critério de rentabilidade está acima de outros nos diferentes estratos sociais e setores?

Lucas Crivelenti e Castro – Há um plano ideológico. Não é só um projeto de governabilidade. Há, dentro da governabilidade, um plano ideológico de inserir formas em que os indivíduos disseminem esse tipo de pensamento de maneira exacerbada. Essa visão é uma consequência disso. Somos bombardeados por essas ideologias rotineiramente, na televisão e na internet. A hegemonia desse discurso está presente a todo momento, foi se difundindo e se inseriu nas diferentes classes sociais. No Brasil, infelizmente, de alguma forma o discurso neopentecostal exacerba esta visão, além de outras pautas conservadoras. Há também a defesa do empreendedorismo, o discurso do investimento, da meritocracia, de transformar os indivíduos em uma analogia à empresa. As relações sociais acabam se tornando relações de concorrência entre indivíduos. Observamos isto inclusive nas classes de renda baixa, infelizmente.

Além das igrejas neopentecostais, a grande mídia hegemônica tem um discurso neoliberal e monetarista de controle da inflação, de austeridade fiscal, de superávit primário para pagar credores da dívida pública. Nesse discurso, está inserida a ideia de que a solução para as pessoas são o investimento e a poupança privada.

IHU – Os progressistas fazem críticas à financeirização, mas os governos progressistas não conseguem apresentar alternativas a esse modelo. Como avalia a presente atuação do governo Lula frente à novíssima dependência?

Lucas Crivelenti e Castro – Estamos vivendo um contexto complicado, com ameaça real de fascismo na sociedade. O discurso do campo progressista seria de enfrentamento a essas questões, mas a sua capacidade de atuação é limitante. Os governos do PT não saíram dessa lógica; eles a afirmaram. Ao ser eleito em 2002, Lula deixou claro, na “Carta ao povo brasileiro”, que seguiria a política macroeconômica de viés neoliberal, quitou a dívida com o FMI, fez a Reforma da Previdência do setor público, aumentou o superávit primário e se inseriu neste contexto. O governo da presidente Dilma fez o ajuste fiscal, tanto em 2011 quanto em 2015, e seguiu uma agenda neoliberal. As possibilidades são limitantes. Na campanha de 2014, Dilma fez a defesa do desenvolvimentismo, do keynesianismo e, assim que assumiu o segundo mandato, elegeu Joaquim Levy e fez a política do Aécio Neves. De alguma forma, estas iniciativas possibilitaram contrarreformas nos governos Temer e Bolsonaro.

Por mais que eu veja a ameaça fascista como um problema a ser enfrentado, de fato o campo progressista não está dando respostas definitivas a essa ameaça. Muito da expansão neofascista e reacionária se deve ao ressentimento de classes que foram totalmente precarizadas no contexto da crise de 2015 em diante. A solução que sempre é direcionada, em todos os governos, é mais neoliberalismo e isso acaba gerando uma insatisfação na população de maneira geral, que redunda em discursos perigosos. Isso está acontecendo na Argentina e a crise está gerando a possibilidade de o candidato Javier Milei ser eleito.

Governo Lula

As reformas da equipe econômica do governo Lula e a reforma tributária estão inseridas no contexto neoliberal. As capacidades colocadas no debate são muito limitantes e seria preciso verificar quais são, de fato, os interesses sociais que estão postos para a sociedade. A questão da reforma tributária é clara. O que tem sido posto é a tentativa de condensar impostos que são muito distribuídos. Não há excesso de tributação, e sim diversas instâncias governamentais diferentes, o que acaba gerando uma burocracia exacerbada.

O que está sendo proposto é uma unificação de impostos e não uma reforma progressista de impostos. Tirando a proposta de taxação de iates, que ainda não está completamente votada no Congresso Nacional, não há uma proposta de taxação acima de 27,5% do Imposto de Renda. O imposto no Brasil é regressivo e a arrecadação se dá sobretudo por meios indiretos. A reforma tributária de viés social não é feita. A regressividade da tributação é mantida.

O país está cada vez pior não só pensando no Executivo, mas também no Congresso Nacional. O Congresso está cada vez mais assumindo um viés reacionário e conservador. Se analisarmos o histórico dos últimos anos, de 2010 em diante, as pautas defendidas por este Congresso estão cada vez piores. A capacidade do Executivo fica limitada pelo Congresso que tem um perfil extremamente reacionário, o que impossibilita muitas coisas.

Por outro lado, acredito muito na capacidade de mobilização social. A capacidade dos movimentos sociais não pode ser descartada, mas, infelizmente, não tem ocorrido porque o neofascismo ganhou força na rearticulação das ruas pelos movimentos de extrema-direita que pediram intervenção militar no governo Bolsonaro. Uma das possibilidades para enfrentar o reacionarismo do Congresso seria a mobilização social no campo progressista, mas isso não vem ocorrendo. A nossa capacidade de enfrentamento do discurso neoliberal e da execução das políticas neoliberais ocorre por meio da ampliação da democratização e via mobilização social.

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